
Na última sexta-feira, dia 25 de novembro, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), presidido pelo advogado Beto Simonetti, reconheceu Esperança Garcia como a primeira advogada do país, um verdadeiro instrumento de reparação histórica da escravidão.
Esperança Garcia, mulher preta, escravizada e mãe, já tinha ganhado reconhecimento pela OAB do Piauí no dia 5 de setembro de 2017, com o título simbólico de "primeira mulher advogada do Estado do Piauí".
Tal reconhecimento se fundamenta quando a citada advogada preta, mãe, escravizada, escreveu uma carta, em 6 de setembro de 1770, endereçada ao governador da então Capitania do Piauí (presidente da Província de São João do Piauí), em ato de insurgência às estruturas que a desumanizavam e escravizavam. A advogada denunciava as situações de violência que sofria junto de suas companheiras e seus respectivos filhos na Fazenda de Algodões, região próxima a Oeiras, a 300 quilômetros da futura capital, Teresina.
Na verdade, a carta, este documento histórico, é uma das primeiras cartas de direito de que se tem notícia. É um símbolo de resistência e ousadia na luta por direitos no contexto do Brasil escravocrata no século XVIII – mais de cem anos antes de o Estado brasileiro reconhecê-los formalmente. Em termos formais, a carta escrita por Esperança Garcia atende todos os elementos jurídicos essenciais de uma petição: endereçamento, identificação, narrativa dos fatos, fundamento no direito e pedido.
Esperança Garcia evidencia ser consciente de seus direitos e nos mostra o cenário escravagista no Piauí e as dinâmicas de um universo de resistência que perpassa todos os meandros desse sistema. Assim, no dia 6 de setembro de 1770, revelando aquilo que talvez fosse um grande segredo, redige uma petição endereçada ao governador da capitania de São José do Piauí:
“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar, que me tirou da Fazenda Algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu, sendo uma criança, que lhe fez extrair sangue pela boca. Em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda, estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha, e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria, pelo amor de Deus, ponha aos olhos em mim, ordinando, digo, mandar ao procurador que mande para a fazenda aonde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha (MOTT, 2010).”
Possivelmente, Esperança Garcia aprendeu a ler e escrever português com padres jesuítas. Após a expulsão da Ordem do Brasil, pelo Marquês de Pombal, e a passagem da fazenda para outros senhores de escravos, ela foi transferida para terras do Capitão Antônio Vieira de Couto. Longe do marido e dos filhos maiores, usou a escrita como forma de luta para reivindicar uma vida com dignidade. A carta foi encontrada em 1979, no Arquivo Público do Piauí, pelo pesquisador e historiador Luiz Mott.
COMISSÃO DA VERDADE DA ESCRAVIDÃO NEGRA DO BRASIL
(Fonte: Conselho Federal da OAB)
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