Autor(a)

Andréa Ferreira da Silva

Comissão

Direito de Família

A inseminação ‘post mortem’ e suas implicações no Direito

Com os avanços tecnológicos na área da saúde em reprodução assistida surgem novos questionamentos e problemas legais frente à filiação e um desses é a inseminação artificial “post mortem”, processo em que é realizada a fecundação a partir de material genético pré-recolhido. A grande diferença para os outros métodos de reprodução assistida é que este se dá após a morte de um dos envolvidos. Quais problemas essa possibilidade traz para as esferas de legalidade a respeito de: reconhecimento legal de filiação e suas implicações como a sucessão?

Mesmo sendo um tema relativamente novo, a inseminação “post mortem” já tem previsão no que diz respeito ao direito de ser considerado filho, como versa o Código Civil na sua parte intitulada “Das relações de parentesco”. No seu artigo art. 1.597, encabeçado: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos; ”no seu inciso III; que diz: “havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”. Notem que não apenas é reconhecido como filho, mas é considerado na constância do casamento, mesmo que isso não seja necessário para que esse futuro filho possua esses direitos, pois a Constituição Federal vigente trouxe a equiparação dos filhos no seu artigo 227, § 6º, que diz: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

Fica claro, após a leitura desse trecho da Constituição, que há uma igualdade relacionada aos filhos e os seus direitos.

Indispensável dizer que a Lex legum em seu Art. 5º, inc. I, traz o princípio da isonomia, que é a igualdade legal para todos. Isto posto, esse princípio abre o norte para que não só o sêmen possa ser utilizado pós-morte mas também o óvulo.

O grande problema que surge a partir da fecundação “post mortem” se dá na questão do direito à sucessão, uma vez que os habilitados para a sucessão se apresentam logo após a morte, como deixa claro o artigo Art. 1.784 do Código Civil, que fala: “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

Nesse artigo do Código Civil abre-se a possibilidade de que possa ser deixado, via testamento, o quinhão do filho ainda não nascido, porém, sendo a morte do mesmo de forma abrupta e prematura, como pode-se resguardar o direito da criança que pode vir a nascer? Já que o artigo é claro ao dizer “transmite-se, desde logo”, ou seja, no momento em que se deu a abertura da sucessão, momento esse que se dá logo após a morte, fato que fica ainda mais claro nesses dois artigos do Código Civil: art. 1.798, que diz “legitimam-se a suceder às pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, e o art. 1.799: “na sucessão testamentária podem ainda ser chamados à sucessão os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”

É notório o problema a se enfrentar, pois não há legislação específica para o tema, do direito sucessório de possível herdeiro fecundado após a morte, sendo o cenário de entendimento doutrinário atual dividido em duas vertentes: de um lado temos aqueles que apontam para o não reconhecimento do direito à sucessão, respaldando-se no argumento que a sucessão se abre imediatamente com o óbito, e do outro lado temos os que embasam seus entendimentos nos direitos humanos e na nossa lei maior, que é a Constituição Federal, que iguala os filhos em direitos, defendendo assim o direito desse filho oriundo de fecundação “post mortem” na sucessão.

Nota-se que o tema tem encontrado bastante respaldo legal quanto ao reconhecimento da filiação, porém, quanto à sucessão ainda teremos muitos debates, tentando esse artigo fomentar nos leitores o seguinte questionamento: O não reconhecimento à sucessão fere a própria Constituição e a coerência de se verificar um direito de ser filho e não se aplicar os demais direitos que a filiação carrega com si, entre eles o direito sucessório?

(Andréa Ferreira da Silva, delegada da Comissão de Direito de Família, e Marcos Paulo da Silva Filho, bacharelando em Direito na UFF)