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NOTÍCIA

O 13 DE MAIO SOB A PERSPECTIVA DA REPARAÇÃO

Nos dias de hoje, por mais que se fale sobre racismo, percebemos uma enorme resistência da sociedade em abrir mão da ilusão de uma superioridade racial baseada na herança europeia. Essa resistência, originada num racismo que está entranhado em nossa cultura (estrutural), se materializa na vida cotidiana de diversas formas. Aqui é a piada “inofensiva”; acolá são os obstáculos da ascensão social justificados na meritocracia; mais à frente é o racismo religioso, e no tratamento dado pelas forças de segurança aos pretos e pardos. Essas práticas, hauridas na cultura colonial, se mantêm vivas no inconsciente coletivo de uma parte dos brasileiros que ainda sonham com um Brasil de padrão europeu, com mão de obra barata e sem os riscos de um levante de pretos/favelados.

Em maio de 2023 terão se passado 135 anos da assinatura da Lei Áurea. Esse marco contabiliza uma pequena fração de tempo se comparada com os 388 anos em que a escravização foi aceita. Os efeitos desses séculos foram agravados pelo descaso e irresponsabilidade com que foram tratados os pretos libertos. Tais efeitos se perpetuaram no tempo e, nesse contexto de extermínio silencioso, as gerações dos descendentes dos africanos escravizados sobreviveram e, juntos com os mestiços ou pardos, somam hoje a maior parcela da população brasileira. Com isso, esses 388 anos representam uma fração de tempo que ainda pesa em nossos hábitos e costumes, e que, no entanto, encontrou e ainda encontra forte e heroica resistência do povo preto. Nesse caminho, a Constituição de 1988 fez emergir direitos que, com muitas lutas, são contrapostos à cultura racista de nossos tempos. Mesmo assim, as chagas persistem na forma de uma justiça elitizada, um sistema penal seletivo, um mercado de trabalho onde direitos são negados e um sistema político hermético aos afrodescendentes.

Essa cultura de nosso tempo é um claro reflexo dos quase quatro séculos de duração da escravidão contra os 135 anos de abolição dessa prática. Por isso, a escravidão no Brasil, ao contrário de boa parte do mundo, teve nuances particularizadas. Uma dessas nuances foi a busca de justificativas para o injustificável, onde a religião foi utilizada para dar um verniz de humanidade e civilidade aos interesses econômicos do tráfico de escravos. Outra nuance vem da prosperidade haurida da cultura canavieira, cuja mão de obra era de escravizados. Por isso, as elites agrícolas da época resistiram ao processo de industrialização e substituição da mão de obra escrava por assalariada. Com isso, a economia baseada no trabalho escravo se perpetuou ao máximo no tempo, fazendo o Brasil ter a triste alcunha de ser o último pais do mundo a abolir totalmente a escravidão.

Assim, por força dos imperativos do nascente liberalismo, o abolicionismo surge na Europa, no final do século XVIII. Mesmo com grande resistência, o movimento abolicionista teve aqui seus méritos, mas não teve o condão de garantir aos homens que foram aqui escravizados a dignidade e os meios de sobrevivência. Nesse contexto, se inicia a entrada de imigrantes europeus no país como substituição ao trabalho escravo. Esse processo começou a partir de 1850, devido ao fim do tráfico de pessoas escravizadas por força da Lei Eusébio de Queirós. Consequência desse estímulo à imigração de europeus foi o enorme contingente de africanos e descendentes remanescentes da escravidão esquecidos pelo Império e pelo movimento republicano que sucedeu a monarquia. Não houve preocupação em criar uma legislação que minimamente respeitasse seus direitos básicos ou que lhes desse garantias mínimas de habitação e sustento. As leis dirigidas aos libertos que se sucederam à abolição diziam respeito apenas a questões punitivas, objetivando a repressão da vadiagem, da religiosidade e da prática da capoeira.

Esse descaso com os pretos só foi aplacado após a 2ª Guerra Mundial, quando emergiram tratados internacionais de respeito ao que foi denominado Direitos Humanos. Tal tendência mundial, influenciando a Constituição Federal do Brasil de 1988, fez nela constar todo um conjunto normativo voltado a garantir um tratamento igualitário e justo para todos. No âmbito das legislações temos a Lei nº 7.716, de 1989, que define os crimes de preconceito de raça e cor e estabelece penas para os casos que envolvem discriminação em ambientes de trabalho públicos e privados, para casos em que a pessoa tenha o emprego negado, seja impedida de ter acesso a cargos da administração direta, sofra tratamento diferenciado, seja impedida de prestar serviço militar. Recentemente, a Lei 14.532, de 2023, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, altera as penas contidas na Lei nº 7.716 e tipifica como crime de racismo a injúria racial, com a pena aumentada de um a três anos para de dois a cinco anos de reclusão.

Mesmo diante dessas iniciativas normativas e constitucionais ainda há resistência em dar efetividade e atender aos objetivos fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil, no Art. 3º, que determina a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I); a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inciso III); e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV). Notadamente, esses três incisos dizem respeito aos maiores problemas sofridos pelos afrodescendentes no Brasil, cuja maioria ainda vive sob a sombra da pobreza, da falta de acesso aos estudos e do desemprego, e a promoção do bem comum não é inclusiva e estabelece barreiras sociais aos pretos e pobres.

Essas barreiras, após quase quatro séculos de escravidão, ainda se refletem nos dias de hoje no achatamento dos direitos trabalhistas, no crescente aumento da população carcerária, nas incursões policiais quase diárias em comunidades do Rio de Janeiro, nas vítimas de balas perdidas que afetam em maior parte a população afrodescendente não vinculada ao crime organizado, e na falta de importância que os sucessivos governos dão à educação, preferindo investir em segurança.

Com isso, para que alcancemos os objetivos delineados na Constituição Federal, para que avancemos no respeito aos Direitos Humanos, para que o Brasil alce os mais altos níveis de desenvolvimento humano e que esse desenvolvimento se reflita nos mais diversos campos, inclusive o econômico, será necessário que abandonemos esse “habitus” que se apega a um passado colonialista e escravagista, proporcionando os meios de quitar essa dívida histórica com os afrodescendentes, oportunizando maior acesso aos meios de ascensão social,  melhores condições de vida e respeito a nossa ancestralidade, cultura e religiosidade.

(Alberto Coutinho de Freitas – delegado da Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB Niterói)

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