NOTÍCIA

As Relações de Trabalho e as Plataformas Digitais: o Futuro Já Começou por Stephanie Campos Barcelos

Vivemos um tempo de intensas mudanças nas relações de trabalho. O ordenamento jurídico se esforça para acompanhar as evoluções da era digital, tentando equilibrar as inovações tecnológicas e a necessidade de resguardar os direitos trabalhistas.


Esse desafio se apresenta em um cenário no qual 65% das crianças irão exercer profissões que ainda não existem atualmente; ou, ainda, em um cenário no qual as profissões mais demandadas no atual mercado de trabalho sequer existiam há 10 anos, segundo relatório do Fórum Econômico Mundial.


Não raro, em contextos de crise econômica surgem retóricas no sentido de se aproximar as questões empresariais e trabalhistas, validando o surgimento de contratos atípicos ou híbridos e ressignificando, inclusive, a subordinação jurídica, de forma a ampliar os conceitos de “autônomo”, “contratante independente” e outras formas atípicas de trabalho.

Deparamo-nos com verdadeiro paradoxo: se o desenvolvimento tecnológico por um lado pode impulsionar a criação de novas empresas, funções e oportunidades trabalhistas, por outro, pode também proporcionar e intensificar a sua precarização.

Na prática, o Direito do Trabalho não tem mecanismos hábeis a antecipar os efeitos das novas plataformas tecnológicas nos postos de trabalho. Assim, ante a impossibilidade de análise isolada da precarização específica decorrente dessas plataformas, fica inviável analisar seu real impacto no mundo laboral.

Dessa forma nos limitamos a discutir questões pontuais como a existência ou não vínculo empregatício, apegados à redação literal do artigo 3º da CLT e seu elementos essenciais ao conceito de empregado.

Por óbvio urge sofisticar o debate sobre vínculo de emprego. Entretanto, imperioso refletir sobre a regulação entre o trabalho e as novas tecnologias, para fins de buscar efetivas soluções, repelindo o discurso falacioso da dicotomia entre manutenção de direitos e crescimento econômico.

Ora, as novas tecnologias vêm para mudar paradigmas jurídicos na medida que despertam a aplicação, ou não, de institutos regulatórios tradicionais, cabendo a Justiça do trabalho acompanhar essa dinâmica, zelando pelos direitos trabalhistas, assim como também deve fazê-lo, o legislador.

A atual organização econômica cria um mercado de trabalho em expansão e se apresenta como meio de (re)inserção no mercado para os desempregados. Os trabalhadores destas plataformas são denominados parceiros autônomos. São tidos como livres para se ativar ou desativar da plataforma no horário de sua escolha, contudo não têm, por exemplo, liberdade para fixar o preço de seu trabalho. As circunstâncias fáticas dos trabalhadores de plataformas eletrônicas afastam-se da clássica situação de subordinação jurídica.

Fato é que o Direito do Trabalho está desconectado à realidade das plataformas digitais, que estabelecem as condições da atividade numa zona cinzenta . As novas formas de trabalho não se amoldam na atual legislação, cuja ideia de trabalho subordinado foi construída sobre fatos, elementos e paradigmas baseados no trabalho industrial.

Desta feita, urge encontrar meios de reconectar o Direito do Trabalho com os trabalhadores das plataformas digitais, dentro do contexto das mudanças fático sociais de um futuro que já começou.

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1-WORLD ECONOMIC FORUM. The Future Of Jobs: Employment, Skills and Workforce Strategy for the Fourth Industrial Revolution. 2016. Disponível em: http: //www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf. Acesso em: 02 de fevereiro de 2020.

2-NORONHA, Eduardo, DE NEGRI, Fernanda e ARTUR, Karen. Custos do Trabalho, Direitos Sociais e Competitividade Industrial. In J. A. de Negri, F. de Negri e D. Coelho (orgs.), Tecnologia, Exportação e Emprego. Brasília, Ipea, 2006, p. 197-194.

3- Brasil. Consolidação das leis do trabalho (CLT) (1943) art. 3º.

4- O futuro do Direito do Trabalho: ultraliberalismo e uberização. Disponível em http://abet-trabalho.org.br/o-futuro-do-direito-do-trabalho-ultraliberalismo-e-uberizacao/> acesso em 10 de fevereiro de 2020

(Stephanie Campos Barcelos é advogada pós-graduada em Direito e Processo Civil e em Direito e Processo do Trabalho, e delegada da Comissão de Direito do Trabalho da OAB Niterói)