NOTÍCIA
Há 133 anos foi promulgada a lei 3353/1888, com apenas dois artigos, findando a escravidão no Brasil, último país do Ocidente a fazê-lo. O dever de gerir a vida dos ex-escravizados deixa de ser do proprietário e passa ao Estado.
Na falta de políticas públicas afirmativas e no interesse de continuar nos centros urbanos, perto de eventuais postos de trabalho, surge a ocupação das terras consideradas menos valiosas, geralmente ao lado de trilhos de linhas de trens, rios, charcos, morros, e assim foram surgindo os cortiços e, depois, as favelas.
As favelas foram surgindo pela exclusão social; primeiros moradores e maioria, os negros, mais tarde, nordestinos e os poucos europeus que não se adaptaram ao trabalho antes realizado pelos ex-escravizados.
Sem políticas de inserção e na mola propulsora do capitalismo, que precisa de trabalhadores para produzir os bens de consumo, trabalho com baixa remuneração, é necessário haver moradias próximas aos centros urbanos.
As favelas são espaços esquecidos pelo Estado. Sem investimentos em saneamento básico, saúde, educação, segurança pública, cultura, se tornou um depósito de gente sem direitos, inclusive o de sonhar.
Com todos esses ingredientes, as crianças, adolescentes e jovens são vistos como mão de obra e peças de reposição para o crime; infelizmente, foram desumanizados, estando sempre sob suspeição.
Contrariando o princípio constitucional da presunção de inocência, o Estado taxou o morador das favelas como o “outro”, e esse ser desumano pode sofrer o abuso de autoridade, a exorbitância do poder, a abordagem truculenta, porque em tese, pelo fato de ser periférico, ele representa o “perigo” e precisa ser neutralizado.
O prof. Achille Mbembe, da Duke University (EUA), em sua festejada obra “Necropolítica”, na página 41, Ed. N-1, ensina sobre o poder do Estado em dispor da escolha de quem vive ou morre, in verbis:
“É um mundo sem espaço; os homens vivem uns sobre os outros.
A cidade do colonizado é uma cidade com fome, fome de pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma vila agachada, uma cidade ajoelhada. Nesse caso, a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é descartável e quem não é.”
Urge a entrada do Estado nas cidades do colonizado, com outras ferramentas que não seja a polícia. Já se visualizou que o confronto, com a morte de vários seres desumanizados, não resolverá o problema; há décadas tentam e a criminalidade só cresce. Não podemos mais gerir as políticas públicas como se existissem duas classes de cidadãos: os que merecem respeito e a exclusão dos periféricos; é preciso estender a humanidade a todos, ricos e pobres, mulheres e homens, brancos e negros, e qualquer outra diferença.
A exclusão gerou percentual altíssimo na criminalidade, o combate ao crime somente com a força policial fracassou.
Precisamos de outro modelo!
(Ricardo Rodrigues – Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB Niterói)
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